DA ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA CONCEDIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE.
OF STABILIZATION OF GUARDIANSHIP GRANTED WITH URGENCY IN PRECEDING CHARACTER.
Haroldo da Costa Andrade[1]
Dr. Artur Cesar de Souza 2
Resumo:O artigo trata da inovação da estabilização a tutela de urgência concedida em caráter antecedente introduzida no processo civil brasileiro com o advento do Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105, de 16 de março de 2015). Atendendo o reclame social de maior eficácia das decisões judiciais e justa distribuição do ônus do tempo entre as partes do processo. Tem o estudo como base a pesquisa doutrinária e legislativa para apresentar uma compreensão sucinta sobre o novo instituto, seus pressupostos e caminho procedimental.
Palavras chave: Tutela provisória. CPC 2015. Tutela de urgência. Tutela antecipada. Estabilização.
Sumário: 1. Introdução – 2. Síntese da Tutela provisória no novo Processo Civil Brasileiro – 3. Da Tutela antecipada concedida em caráter antecedente – 4. Da estabilização da tutela antecipada concedida em caráter antecedente – Conclusão – 6. Referências.
A estabilização da tutela de urgência em caráter antecedente chama atenção dos operadores do direito, especialmente diante da percepção da nova dinâmica da vida humana em que resultado eficaz é sinônimo de resultado rápido.
As terminologias assemelhadas e a memória dos procedimentos do código revogado trazem uma certa dificuldade à compreensão clara desta temática, seja pelo descuido com a língua pátria ou pela falsa impressão de ser “tudo a mesma coisa”.
Determinar e individualizar cada instituto, seus fundamentos e efeitos é fundamental aos operadores do direito, pois, a devida adequação ao caso, a objetividade e o diligente argumento jurídico, assim como os procedimentos de cognição sumária, são essenciais para reduzir a duração do processo e fazê-lo o mais justo quanto possível.
Assim, é imprescindível partir da nova estruturação dos procedimentos de cognição sumária, todos reunidos sob o gênero de Tutela Provisória, estabelecidos entre os artigos 294 a 311 que formam o Livro V da Parte Geral do Novo Código de Processo Civil. Ainda será necessário separar, mesmo suscintamente, o subgênero da urgência tendo em vista a existência do subgênero da evidencia.
Por sua vez, da tutela de urgência, decorrem duas naturezas: cautelar e satisfativa. Não interessando, neste momento, a natureza cautelar, o enfoque se dará na natureza satisfativa chamada de Tutela de Urgência Antecipada (art. 294, parágrafo único), objeto do segundo capitulo do trabalho, que permite a realização do direito material essencialmente semelhante à tutela final, porém ancorada na probabilidade do direito e, por isso, sem os efeitos da coisa julgada material.
É no procedimento de Tutela Provisória de Urgência requerida em caráter antecedente, quando concedida e não impugnada, que reside a possibilidade da estabilização da decisão liminar, objeto final do estudo. Essa inovação é demasiadamente importante por seu aspecto prático e economia processual, porém, não deixa de ser vítima da péssima qualidade legislativa nacional.
Para este trabalho elegeu-se o método bibliográfico, pautado nos apontamentos doutrinários do tema diante da precocidade da existência do instituto no sistema jurídico nacional. A compreensão de suas origens e influências é determinante, bem como, o estudo pormenorizado de suas características, consequências, defeitos e efeitos na jurisdição de cognição sumária, assuntos brilhantemente abordados por vários doutrinadores, sem os quais seria impossível otimizar e por em prática a inovação jurídica da estabilização da tutela concedida em caráter antecedente.
O tempo é um fardo, penoso e inevitável, imposto a todas as partes no processo judicial. O preço do tempo é muito alto, normalmente pago pelo autor com razão. Coube na evolução do direito processual civil corrigir esse defeito possibilitando a distribuição desse ônus através de técnicas processuais hábeis, norteadas pelo principio da igualdade, previsto no artigo 5º, I da Constituição Federal [2]e positivado como norma processual no Código de Processo Civil de 2015:
Art. 7. É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres de aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.[3]
O caminho, apontado pelo constituinte e construído pelo legislador, bem como a atual dinâmica da sociedade, não suporta legar a solução de toda e qualquer desavença social ao emaranhado sistema processual brasileiro, mesmo quando é evidente, perceptível ou palpável o direito de uma das partes.
As técnicas processuais criadas para distribuir o peso do tempo não são a novidade processual, já há muito utilizadas, contudo, o tempo também sacrifica as regras, seja pela mudança do comportamento, surgimento de tecnologias ou esclarecimento cultural.[4]Em comento desse fenômeno Luiz Guilherme Marinoni assevera:
[...] a falta de idoneidade do processo civil para atender às novas situações não impediu a prática forense de utilizar a tutela cautelar inominada como técnica de sumarização do processo de conhecimento. Como o procedimento cautelar viabilizava a concessão de liminar, assim como o uso de meios executivos adequados às diferentes situações concretas, a prática forense brasileira assistiu ao uso não cautelar da ação cautelar.[5]
A necessidade de atualização, adequação e modernização traz novas leis, não sendo diferente com as regras do processo civil brasileiro, com o advento do Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105, de 16 de março de 2015).
O novo processo civil reuniu no Livro V – Parte Geral (art. 294 a 311), a temática das tutelas sumárias com nítida influencia dos institutos franceses: référé provision e référé urgencee da reforma processual de 2003 do direito italiano[6], impondo soluções breves, reduzindo e uniformizando os procedimentos possíveis para as tutelas sumárias.[7]
A leitura do código de processo civil, especificamente os artigos 294, caput e parágrafo único), permite compreender a Tutela Provisória como gênero do qual decorrem duas espécies: urgência e evidência.
Apesar de não ser o objeto deste trabalho, é importante pontuar a noção da Tutela Provisória fundada na evidência especialmente em confronto com a de urgência, o que se faz com as palavras de Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery: “Em comparação com a tutela de urgência, a tutela de evidência igualmente exige a plausibilidade do direito invocado, mas prescinde da demonstração do risco do dano. Vale dizer, o direito da parte requerente é tão óbvio que deve ser prontamente reconhecido pelo juiz.” [8]
Já a Tutela de Urgência é mais exigente e sua concessão reclama a probabilidade do direito e o perigo do dano ou o risco ao resultado útil ao processo (artigo 300), elementos auxiliadores do julgador na indispensável clareza em cognição sumária para conceder a medida urgente, condicionada às características de provisoriedade e revogabilidade, podendo ter natureza satisfativaou cautelar [9]. Nas palavras de Artur Cesar de Souza: “ Na realidade, a tutela de urgência processual é uma verdadeira garantia de prevenção contra o risco que possa existir em face de determinadas circunstâncias que se apresentam durante o processo.”[10]
Assim, como modalidade de tutela de urgência, a decisão que a concede combate a inércia do réu e afasta o perigo da demora, privilegiando o principio da celeridade. [11]A natureza satisfativaresulta em técnica processual e a cautelarforma de tutelar direitos. A referida distinção não obsta um procedimento comum entre elas, com o objetivo de simplificar a atuação das partes. Ressalva-se, contudo, caberá à parte autora apontar se cautelar ou satisfativa e ao juiz a possibilidade de corrigir o erro quanto ao procedimento (art. 305, parágrafo único).[12]
Outra distinção entre as naturezas cautelar e satisfativa da tutela de urgência é ofertada por Luiz Guilherme Marinoni:
[...]. Desse modo, a tutela antecipada não é instrumento de outra tutela ou faz referência a outra tutela. A tutela antecipada satisfaz o autor, dando-lhe o que almejou ao propor a ação. O autor não quer outra tutela além daquela obtida antecipadamente, diversamente do que sucede quando pede tutela cautelar, sempre predestinada a assegurar uma situação dependente da tutela final ou a própria efetividade da tutela jurisdicional do direito. A tutela antecipada também não aponta para uma situação substancial diversa daquela tutelada, ao contrário da tutela cautelar, que necessariamente faz referência a uma situação tutelável ou a uma outra tutela do direito material.[13]
A tutela cautelar, anteriormente pormenorizada em 94 artigos do código de 1973, ainda remanesce no novo processo civil, porém, sem o status de processo autônomo, tornando-se uma espécie de tutela de urgência, coexistente ao processo principal, podendo ser antecedente ou incidental[14], e, além da cognição sumária, provisoriedade e revogabilidade, tem ainda as características da instrumentalidade, referibilidade, acessoriedade, fungibilidade cautelar, fumus boni iuris epericulum in mora.[15]
À natureza satisfativa da tutela de urgência deu-se o nome de Tutela Antecipada, tema merecedor de análise mais acurada que possibilite uma melhor compreensão da questão da estabilização das decisões concedidas nos procedimentos processuais urgentes, objeto deste trabalho.
A tutela antecipatória foi inserida no ordenamento jurídico brasileiro com a alteração do artigo 273 do código de processo civil de 1973, pela lei 8.952/1994. Do estudo do tema pela doutrina resultaram conceitos e definições para o aperfeiçoamento e pratica do instituto, como o Luiz Guilherme Marinoni:
[...] A técnica antecipatória produz a tutela material ou o efeito jurídico que, a princípio, viria apenas ao final. Um efeito que, por óbvio, não descende de uma eficácia que tem a mesma qualidade da eficácia da sentença. A técnica antecipatória permite que sejam realizadas antecipadamente as consequências concretas da sentença de mérito. Estas consequências podem ser identificadas com os efeitos externos da sentença, ou seja, com aqueles efeitos que operam fora do processo e no âmbito das relações de direito material.[16]
O legislador abandonou a necessidade de prova inequívoca (CPC 1973), e, em substituição elegeu a probabilidade do direito suficiente para autorizar o deferimento de tutelas provisórias fundadas em cognição sumária, desde que submetidas ao convencimento do juiz e dedução lógica. [17]Além da probabilidade do direito exige-se ainda o imprescindível pressuposto do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, sem o qual não se justificaria a concessão da tutela.
Deve-se, contudo, estar atento aos detalhes do procedimento, como a possibilidade de o juiz exigir caução real ou fidejussória, como garantia de reparação de danos da outra parte bem como a dispensa desta em caso de pobreza (art. 300, § 1º) ou o indeferimento em caso de evidente perigo de irreversibilidade (art. 300, § 3º).
Superada as disposições comuns adentra-se no procedimento da tutela antecipada de caráter antecedente, cuja a concessão é requisito indispensável para configuração da estabilização da tutela antecipada.
Sendo feito o pedido em caráter antecedente (art. 303, caput) haverá dois possíveis caminhos no procedimento: a concessão (art. 300, § 1º) ou indeferimento (art. 300, § 6º). No caso de concessão, o prazo para aditar a petição inicial é no mínimo de 15 dias, podendo ser mais a critério do juiz; se feito (art. 300, § 1º, I a III), segue-se a citação e intimação para a obrigatória audiência de conciliação ou mediação e após essa, 15 dias para a contestação, por óbvio, se não ocorrer composição; por outro lado, não fazendo o aditamento haverá a extinção sem resolução de mérito. Já em caso de negativa da tutela antecipada, caberá o autor aditar em 5 dias sob pena de indeferimento e extinção.
O texto do artigo 303 é problemático quando da leitura do parágrafo quinto onde ha uma dúvida razoável para identificar que benefício do caput, a que tudo indica, a prerrogativa de se limitar ao pedido antecipado.[18]
Ainda, no manejo da medida, será necessário a observância do prazo de 5 dias do artigo 302, II, quando o réu não for encontrado, em que, salvo as condições do art. 319, §§ 1º e 3º, o autor se sujeitará ao pagamento de danos, revogação da tutela e extinção do processo.
Ultrapassada a formalização da tutela antecipada, sob a condição de ser concedida, inaugura-se a inovação processual do artigo 304 do Código de Processo Civil, possibilitando a estabilização da decisão que concedeu a tutela antecipada.
A estabilização da tutela antecipada é uma inovação legislativa, porém não é novidade no raciocínio jurídico brasileiro ou estrangeiro. Em estudo sobre o tema, Frederico Augusto Gomes destaca a proposta de reforma do processo civil de 1997 da Professora Ada Pellegrini Grinover, quanto a execução das medidas antecipatória nos moldes da execução provisória da sentença e a conversão da tutela antecipatória em sentença de mérito acobertada pela coisa julgada.[19]No mesmo estudo o autor ainda apresenta a concepção do direito francês quanto a impossibilidade de alteração da medida urgente se o devedor não o pedir, concluindo pela acomodação dos interesses processuais das partes não devendo a lei forçar o seguimento. Merece ainda destaque a menção da pesquisa realizada por Ada Pellegrini Grinover em que, na França, mais de 90% dos casos são resolvidos sem a necessidade de cognição exauriente.[20]
Ainda, a reboque de Frederico Augusto Gomes, citando Comoglio, Ferri e Taruffo, é possível ter noção do pensamento jurídico italiano:
[...] uma vez concedida a medida de urgência, o juízo de mérito é facultativo; a extinção do processo sem o julgamento de mérito não acarreta a ineficácia da medida de urgência concedida; a tutela de urgência estabilizada produz efeitos exclusivamente endoprocessuais, ou seja, em nada afetará juridicamente processos diversos daquele em que foi concedida; e a tutela de urgência fica gravada com efeitos análogos ao da cláusula rebus sic standibus, podendo ser revogada ou alterada se houver mudança no conjunto fático.[21]
No mesmo sentido, Eduardo de Avelar Lamy e Fernando Vieira Luiz apontam o référéda França e Bélgica e ainda da ordinanza di ingiunzione do direito italiano fontes para formulação da estabilização da tutela do Novo Código de Processo decorre, ressalvando, contudo, que já em 2005, constava no projeto de reforma (PL 186/2005) do art. 273 do código revogado, muito embora com proposta diferente. [22]
A inovação da estabilização prevista no artigo 304 do Código de Processo Civil tem como pressuposto fundamental a decisão que concede tutela provisória de urgência em caráter antecedente desde que o réu, ou outros legitimados, não tenha se insurgido com interposição de recurso.
CAMARA, PREDON e TOLENTINO conseguem sintetizar o instituto da estabilização possibilitando uma visão geral capaz de nortear a compreensão do tema:
Trazendo verdadeira inovação no sistema processual civil brasileiro, o art. 304 do CPC/2015 dispõe sobre a estabilização dos efeitos da tutela antecipada satisfativa deferida. Aqui, caso não seja interposto recurso de agravo de instrumento contra a decisão que concedeu a tutela antecipada satisfativa o procedimento será extinto e a decisão deferida terá seus efeitos prolongados no tempo, até eventual instauração de procedimento para discutir (rever, reformar ou invalidar) a decisão estabilizada. Importante ressaltar que a parte prejudicada dispõe de um prazo de 2 (dois) anos para exercer seu direito de revisão, reforma ou invalidação da decisão da tutela antecipada antecedente.[23]
Para estes autores o único meio de impedir a estabilização é a interposição do recurso, não podendo se falar na contestação devido a fase processual em que sequer a citação foi realizada.
Eles ainda propõem questionamentos plausíveis quanto o aditamento ou não pelo autor e a interposição ou não do recurso pelo réu dos quais derivam quatro possibilidades: 1ª) Aditamento da inicial e interposição do recurso, resultando no seguimento do processo em cognição exauriente; 2ª) Não aditamento da inicial e não interposição do recurso, com a consequente extinção sem resolução de mérito com declaração de estabilização na tutela; 3ª) Não aditamento da inicial e interposição do recurso, caso de extinção do processo sem resolução do mérito e revogação da medida urgente, impedida pelo recurso de se estabilizar; e, 4ª) Aditamento da inicial e não interposição do recurso o que curiosamente resultará na pratica do (aditamento) condicionado à interposição de recurso, o que não ocorrendo, o tornará sem proposito, presumindo que nenhum autor pretenda prosseguir o feito diante da estabilização da tutela concedida.[24]
Antonio Pereira Gaio Junior entende que a ocorrência da estabilidade da tutela antecipada acarretará a conservação de seus efeitos só podendo ser revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito em ação própria para este fim, dentro do prazo de dois anos, com inicio na data de ciência da decisão de extinção do processo e declaração de estabilidade (§§ 2.º, 3.º e 5.º do art. 334 do CPC/2015. [25]
Por seu turno, Aluisio Gonçalves de Castro Mendes e Larissa Clare Pochmann da Silva expressam uma opinião um pouco divergente para admitir a possibilidade da estabilização também no caráter incidental a tutela antecipada como na tutela de evidencia:
A estabilização da tutela antecipada é uma técnica de monitorização do processo civil brasileiro para situações de urgência de natureza satisfativa, prevista expressamente, pelo CPC/2015, no capítulo da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, mas que deve ser interpretada como passível de se realizar também, quando manifestada na petição inicial, nos termos do art. 303, § 5.º, na hipótese de tutela de urgência antecipada incidental e na tutela da evidência. Representa, talvez, junto com o procedimento antecedente para a tutela antecipada, a principal inovação trazida pelo legislador em termos de tutela provisória.[26]
Para eles a estabilização tem viés essencialmente prático sendo útil tanto ao autor como ao réu, porquanto, a este é preferível um perecimento parcial a uma cognição exauriente mais grave, e àquele, a satisfação imediata sem a demanda de tempo e efeitos de um processo longo.
Os autores Eduardo de Avelar Lamy e Fernando Vieira Luiz opinam pela autonomia da tutela sumária face a cognição exauriente:
O objetivo da estabilização é desvincular o mecanismo de tutela sumária à decisão final, obtida pela cognição exauriente. Desta forma, obtido o provimento provisório que cria à parte uma situação fática desejável, prescinde-se da própria decisão final e, evitando gastos de tempo e de valores, põe-se fim ao processo, sem a decisão final típica da cognição exauriente. Retira-se do autor, como a prática por vezes demonstra, o ônus de dar continuidade ao processo “somente para ver confirmada a tutela concedida”.[27]
O teor do § 6º do artigo 304 do CPC/2015 é objetivo e claro ao sentenciar da decisão que concede a tutela de urgência em caráter antecedente depois do provimento judicial da estabilidade não decorre a coisa julgada e seus efeitos: "§ 6.º A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2.º deste artigo.”
Aluisio Gonçalves de Castro Mendes e Larissa Clare Pochmann da Silva oferecem uma explicação objetiva quanto aos efeitos da estabilização não se confundirem com o da coisa julgada: “A estabilização não se confunde com a coisa julgada, primeiro em virtude do caráter de sua cognição (sumária, e não exauriente) e segundo porque, como se abordará, o art. 304, § 4.º do novo CPC permite que seja ajuizada uma nova ação para discutir a tutela antecipada estabilizada.” [28]
A inércia do réu diante a decisão que concede a tutela é pressuposto essencial para a declaração da estabilização e quanto a isso não há discussão. A problemática está em determinar se a resistência do réu capaz de impedir a estabilização é o agravo de instrumento ou qualquer ato processual que demonstre seu inconformismo.
O texto legal do artigo 304 expressamente diz: “art. 304. A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso”. Conforme o artigo 1.015, I do Código de Processo Civil, o agravo de instrumento é o recurso cabível contra as decisões interlocutórias decorrentes de tutela provisórias.
É entendimento majoritário de que o recurso apontado pelo legislador no artigo 304, caput é o agravo de instrumento, como explica CAMARA, PREDON e TOLENTINO:
Tal impugnação, contudo, se nos pautarmos pela literalidade do texto normativo, não poderia se dar pela via do ataque à petição que veiculasse antecedentemente a pretensão urgente; mister se faz, pela dicção do dispositivo, a impugnação específica pela via do agravo de instrumento (ou agravo interno, quando se trate de processo de competência originária de tribunal). Isso porque deve ser lembrado que com o novo regime recursal, as decisões interlocutórias em regra não estariam mais sob o sistema da preclusão imediata, podendo ser impugnadas em grau recursal ao tempo da apelação ou contrarrazões (art. 1.009, parágrafo único). Contudo, um grupo especial de decisões interlocutórias, submetidas ao regime de impugnação imediata do agravo de instrumento, se não manejado pelo sucumbente, ter-se-ia desde logo a preclusão. [29]
Em sentido oposto Eduardo de Avelar Lamy e Fernando Vieira defendem que, a exclusividade do agravo de instrumento como meio apto a evitar a estabilização, resultaria na inconstitucionalidade do artigo 304 por impedir o acesso a jurisdição garantido pela constituição. Para corroborar seu entendimento destacam a o texto inicial do projeto do Código de Processo Civil a expressão era “impugnação” posteriormente substituída por “respectivo recurso” com o objetivo de restringir as possibilidades de cognição exauriente.[30]
Ressaltados os aspectos fundamentais para a estabilização da tutela concedida em caráter antecedente, resta apontar a previsão dos §§ 2º, 3º, 4º e 5º do artigo 304 do Código de Processo Civil que tratam dos meios para revisar, reformar ou invalidar os efeitos da decisão, estabelecem legitimidade, competência e prazo para intentar qualquer das alternativas.
Conforme entende J.E. Carreira Alvim, a legitimidade não será exclusiva do réu sendo direito também de terceiro interessado. A competência por prevenção será o juízo concedente da tutela liminar e o prazo tem natureza decadencial.[31]
Como toda a inovação em direito, a estabilização da tutela provisória de urgência concedida em caráter antecedente, enfrenta seus entraves, seja pelo conforto do já que já está estabelecido, pelo desconforto da mudança ou pela qualidade do legislador.
Aos operadores do direito, especialmente os processualistas, cabe a missão de dar contornos e eficácia à aplicação do instituto, superar as dúvidas e receios e acreditar na possibilidade da modernização do processo civil.
O objetivo deste trabalho, distante de qualquer pretensão exauriente do tema, é uma percepção prática e sucinta da inovação processual apresentada pelo legislador.
Notas
[1] Graduado pela Faculdade Marigá. Pós Graduação em Docência do Ensino Superior pelo Instituto Paranaense de Ensino. Pós Graduação em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estadual do Paraná (UEL). Advogado. e-mail: haroldoandrade@haroldoandrade.com.br
2 Professor orientador: Dr. Arthur Cesar de Souza, Pós-Doutor pela Università Statale di Milano (Itália), pela Universidad de Valencia (Espanha) e pela UFSC. Doutor em Direito das Relações Sociais pela UFPR. Mestre em Direito Negocial pela UEL/PR. Pós-Doutorando pela Universidade de Direito de Lisboa, sob orientação do Prof. Jorge Miranda. Pesquisador da Capes. Professor da Unifil. Juiz Federal auxiliar da Vice-Presidência do TRF-4.ª Reg.
[2]BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/constituicao/constitui%A7ao.htm>. Acesso em: 28 abril 2017
[3] MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela da evidencia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 71
[4] GAIO JUNIOR, Antônio Pereira. Apontamentos para a tutela provisória (urgência e evidência) no novo código de processo civil brasileiro. Revista do Processo REPRO, São Paulo: Revista dos Tribunais. abr. 2016, v. 254, p .197.
[5] MARINONI, Luiz Guilherme. op cit. p. 57.
[6] MIDIDIREO, Daniel. A técnica antecipatória na perspectiva do direito comparado. Disponível em: < http://www.lex.com.br/doutrina >. Acesso em: 23 ago. 2017.
[7] ARAUJO, José Aurélio de. Introdução ao sistema de tutelas cognitivas sumárias do projeto do novo código civil.Reflexões sobre o Novo CPC. 2014. 2014, Livro Digital – 2012 – 11.
[8] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 872.
[9] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil volume 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 197 e 198.
[10] SOUZA, Artur Cesar de. Análise da tutela antecipada no Projeto da Câmara dos Deputados no novo CPC.Reflexões sobre o Novo CPC. 2014. 2014, Livro Digital – 2014 – 18.
[11] MARINONI, v. 2, op. cit. p. 202 a 205.
[12]CÂMARA, Alexa ndre Freitas; PEDRON, Flávio Quinaud; TOLENTINO, Fernando Lage. Tutelas provisórias no CPC 1973 e no CPC 2015: o quanto o novo tem de inovador.Revista do Processo REPRO, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 262, dez. 2016. p. 159 a 162.
[13] MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela da evidencia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 71.
[14]SILVA NETO, Francisco de Barros e. Tutela provisória no novo código de processo civil. Revista do Processo REPRO, São Paulo, v. 259, p. 140 a 158. set. 2016.
[15]RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela provisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 100 a 102.
[16]MARINONI, v. 2, op. cit. p. 197.
[17]GOMES, Frederico Augusto. A autonomia da lide de urgência no código de processo civil (ou um tributo a Alcides Munhoz da Cunha no CPC/2015).Revista do Processo REPRO. São Paulo: Revista dos Tribunais, maio 2016, v. 255, p 184 a 205.
[18]NEGRÃO, Theotonio et al. Código de processo civil e legislação processual em vigor. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 372.
[19]GOMES, Frederico Augusto. op. cit., p. 185
[20]GOMES, Frederico Augusto. op. cit., p. 188
[21]GOMES, Frederico Augusto. op. cit., p. 189
[22] LAMY, Eduardo de Avelar; LUIZ, Fernando Vieira. Estabilização da tutela antecipada no novo código de processo civil. Revista do Processo REPRO, São Paulo, Revista Dos Tribunais, v. 260, out. 2016. p. 107.
[23]CÂMARA, Alexandre Freitas; PEDRON, Flávio Quinaud; TOLENTINO, Fernando Lage. Tutelas provisórias no CPC 1973 e no CPC 2015: o quanto o novo tem de inovador.Revista do Processo REPRO, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 262, dez. 2016. p.175.
[24] CÂMARA, Alexandre Freitas. op. cit., p. 178 e 179.
[25] GAIO JUNIOR, Antônio Pereira.op. cit., p. 205.
[26]MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; SILVA, Larissa Clare Pochmann da. A tutela provisória no ordenamento jurídico brasileiro: a nova sistemática estabelecida pelo CPC/2015 comparada às precisões do CPC/1973. Revista do Processo REPRO, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 257, jul. 2016.
[27] LAMY, Eduardo de Avelar;. op. cit., p. 108.
[28] MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. op. cit., p. 171
[29] CÂMARA, Alexandre Freitas; op. cit. p.176.
[30] LAMY, Eduardo de Avelar;. op. cit., p. 108
[31]ALVIM, J. E. Carreira. Desvendando uma incógnita: a tutela antecipada antecedente e sua estabilização no novo código de processo civil.Revista do Processo REPRO, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 259, set. 2016, p. 202 a 206.
REFERÊNCIAS
ALVIM, J. E. Carreira. Desvendando uma incógnita: a tutela antecipada antecedente e sua estabilização no novo código de processo civil.Revista do Processo REPRO, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 259, set. 2016.
ARAUJO, José Aurélio de. Introdução ao sistema de tutelas cognitivas sumárias do projeto do novo código civil.Reflexões sobre o Novo CPC. 2014. 2014, Livro Digital – 2012 – 11.
ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro volume II tomo II.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/constituicao/constitui%A7ao.htm>. Acesso em: 28 abril 2017
BRASIL.Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de processo civil.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015 -2018/2015 /lei/l13105.htm>. Acesso em: 04 jun. 2017.
CÂMARA, Alexandre Freitas; PEDRON, Flávio Quinaud; TOLENTINO, Fernando Lage. Tutelas provisórias no CPC 1973 e no CPC 2015: o quanto o novo tem de inovador.Revista do Processo REPRO, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 262, dez. 2016.
GAIO JUNIOR, Antônio Pereira. Apontamentos para a tutela provisória (urgência e evidência) no novo código de processo civil brasileiro. Revista do Processo REPRO, São Paulo: Revista do Tribunais, v. 254, abr. 2016.
GOMES, Frederico Augusto. A autonomia da lide de urgência no código de processo civil (ou um tributo a Alcides Munhoz da Cunha no CPC/2015). Revista do Processo REPRO, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 255, maio. 2016.
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